terça-feira, 7 de setembro de 2021

Um projeto e várias conexões em Cidade Tiradentes

Galeria de graffiti e representatividade com Grupo OPNI e a EMEF Saturnino Pereira

Minha Escola é um Museu é o nome do projeto que aconteceu na EMEF Saturnino Pereira até o mês de agosto de 2021. No primeiro momento quando a Cristiane Dias me falou do nome do projeto a primeira coisa que veio na minha cabeça foi "que realmente a escola está tão ultrapassada que vale pena a chamar de museu”, para só depois pensar e problematizar o que essa frase significa. 

Tão pequeno é pensar um museu como um local que só tem antiguidades que ficam guardadas para raras visitas, um jeito melhor de olhar para ele é como um local vivo, ilustre, um instigador de olhares para diferentes direções, inclusive para o presente.


Vivemos tempos em que a ideia de futuro caiu na descrença, pois o tão esperado progresso prometido aos nossos pais e mães não aconteceu, então o passado nos volta como uma fonte que guia os nossos passos para um outro futuro, este anda de mãos dadas com a ancestralidade e os conhecimentos populares. Nesse caminho a escola ser um museu amplia uma nova leitura sobre o papel da educação, principalmente quando ela está em um território cheio de ausências de políticas e equipamentos públicos, como é o caso dessa escola localizada no extremo leste, na Cidade Tiradentes.


Ainda falando sobre o passado. Cotidianamente eu atravesso a Estrada do Iguatemi, local disputado por uma encruzilhada que une destinos ao Prestes Maia, Cidade Tiradentes, Itaquera e Guaianases. Vou muitas vezes dividindo o curto espaço do transporte coletivo com outros tantos trabalhadores, um dia indo para a estação de Guaianases vi aquela escola cheia de adolescentes, e lembrei como era gostoso ter apenas essa tarefa, ir para a escola. Lá se divide o sabor dos lanches, os saberes, risos, vive amores e outras tantas etapas dessa fase tão importante. A vida é pulsante em todos os lugares daquele ambiente. O ônibus segue e guardo essas memórias para dar espaços às preocupações com horários e coisas que tenho que fazer.


Foi então que o tempo da pandemia nos fez não ver a escola. Fechada por dias, meses, chegou a 1 ano e meio. Em junho deste ano, depois de tanto confinamento, fui então ver o projeto Minha Escola é um Museu, sabendo que a EMEF Saturnino Pereira tinha retomado as atividades com grupo reduzido, já na entrada escapava as alegrias das crianças pelas janelas e alguns gritos que pareciam encher o teto da quadra como um balão, em uma sala entre a abertura da porta, um professor cheio de roupa de frio e de pé apontava para a lousa. 


Só que dessa vez a escola estava diferente, uma grande galeria com as imagens de MC Soffia e Elza Soares são algumas das novas artes que fazem companhia para Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus.


Em todas as imagens fica a representatividade do povo preto na escola, só de pensar a pintura da pensadora Lélia Gonzalez [1935 - 1994], a importante intelectual, mineira, ativista feminista e do movimento negro, que construiu ideias que estruturam o pensamento do feminismo negro, da interseccionalidade e aponta para o racismo estrutural. A primeira obra dela, Lugar de Negro, publicada na década de 1960 apresenta a formação do MNU - Movimento Negro Unificado com o ato de denuncia a morte do jovem Robson da Luz assassinado dentro da delegacia 44 em Guaianases. 


Essa documentação feita por ela apresenta uma história convencionalmente escondida pelo mito da democracia racial. Quando Lélia e as demais personalidades apresentadas nesses painéis entram na sala, todo o trabalho artístico ganha outra dimensão, pois associado ao currículo escolar permite o aprofundamento destas questões.


A escolha das cantoras Elza Soares e MC Soffia foram feitas pelos alunos, colocando em harmonia as ações feitas entre professores, alunos, direção escolar e a comunidade do entorno. Além disso, o trabalho feito pelo Grupo OPNI fortalece ainda a importante de lei que obriga o ensino da história da África e afro-brasileira - lei 10.639/2003.


O painel da Elza Soares foi consultado pela cantora, destacando também o poder da música para denunciar e desnaturalizar também o machismo. Para a diretora da escola Rute Reis a Elza é uma das maiores cantoras da humanidade. Já posso até imaginar sua voz ecoando nos corredores e saindo pelo portão nos cantarolar dos adolescentes a caminho de casa. A MC Soffia apresenta que mesmo sendo uma adolescente você pode ser sim uma pessoa importante para a história, sua imagem inspira todos os dias outras meninas, acrescenta a coordenadora Deborah Monteiro.


Outra obra é intitulada Árvore de Memórias, uma homenagem ao Mestre Pê, arte-educador que influenciou na juventude os que hoje já são adultos, como é o caso da Cristiane Dias, que hoje faz esse projeto. Pê busca que crianças e jovens se olhem e valorizem suas histórias, pois sua infância foi rodeada pela cultura popular, assim ele trouxe essa chama aqui para as periferias. Virou Mc, gravou discos e rodou muitos cantos desse país, uma pessoa que transformada pelo seu passado, transforma o futuro daqueles que encontra. O mestre Pê tem sua homenagem nas paredes da EMEF Saturnino Pereira.


Essa escola museu, ultrapassar o tempo unindo pessoas em uma galeria viva, que agita as pessoas, vira uma ponte entre a cultura e a educação, de passado e futuro, une sonhos e utopias de um outro mundo possível.



Texto de Sheyla Melo
Imagens de Gabriel Pires

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